De se lhe tirar o chapéu!

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O panamá é o chapéu de verão por excelência. Nascido na América do Sul, conquistou o mundo.
Por detrás da sua aparente simplicidade esconde-se um vasto saber e a tradição de um povo.

O chapéu à semelhança de muitos outros acessórios de moda nasceu de uma necessidade bastante prática e quase universal: proteger a cabeça do sol, do frio e até mesmo da sujidade.

O homem e a sua necessidade natural de elaborar, e quiçá por estar em causa a cabeça, tratou de o dotar dos mais variados significados e de uma etiqueta cuja rigidez variou ao longo dos tempos.

Até meados do século passado, o seu uso em público era praticamente obrigatório e o próprio conceito de elegância masculina era inconcebível sem a sua presença.

Nos anos sessenta foi apontado como símbolo conservador e acabou por não resistir à revolução capilar que abriu caminho não só de outrora osiçoutros tempos ensaia um regresso mais baseado na opçàs longas e desgrenhadas cabeleiras hippies como a uma indústria do cabelo que floresceu e que quase o fez esquecer.
Nos últimos tempos, o interesse pelo chapéu tem vindo a recrudescer em torno de uma elegância claramente inspirada na tradição mas destituída dos inflexíveis códigos de outrora.

Na dianteira deste renascimento luze o alvo sul-americano Panamá. Na edição de verão da feira Pitti Uomo, barómetro fiável de tendências no campo da elegância masculina, desde há uns anos a esta parte é presença assídua na cabeça dos muitos influencers presentes.

Este lugar de destaque é mais do que merecido pois estamos perante um espécime que sobressai pela sua beleza; aspecto prático, dada a sua extrema leveza e impermeabilidade ao sol e à chuva; e pelo extraordinário trabalho artesanal que a sua tecedura encerra que fazem dos mais apurados exemplares verdadeiras obras de arte que atingem valores dificilmente associáveis a um acessório como um chapéu.

Embora sem a adesão de outrora mas apesar de tudo com presença garantida em eventos como o torneio de ténis de Winbledon onde continua um clássico, o panamá continua a alimentar um imaginário tropical de noites quentes e húmidas, peles morenas onde o linho, o rum e os havanos são parceiros indispensáveis
Homens de grande estilo como Winston Churchill, Clark Gable, Orson Welles, John Huston, Humphrey Bogart, Peter O´Toole, Marlon Brando, ou Sean Connery, entre outros, sempre o tiveram à mão quando o sol o exigia.

O mais provável é que a maioria dos panamás vistos em Florença tenham outra proveniência que não a original: hoje são produzidos em muitos locais, desde logo em vários países da América do Sul, no México ou, como não podia deixar de ser, na Ásia, por vezes recorrendo a métodos pouco ortodoxos que têm reflexo no preço final de venda ao público. Porém os legítimos, embora a designação nos remeta para o país do estreito, são originários do Equador.

A proveniência não é irrelevante sobretudo quando esta é dada a equívocos como acontece neste caso. A elevação em 2012 à condição de Património Imaterial da Humanidade, considerado um acto de justiça pelos equatorianos, vem reconhecer preto no branco uma produção artesanal com raízes ancestrais, passada de geração em geração com grande impacto nas populações locais.

Quando Francisco Pizarro chegou à região em 1526, dizem os relatos que os nativos já usavam uma proteção para a cabeça feita de palha cujo uso, se veio a saber mais tarde remontava pelo menos a a 4000 A. C..
Esta terá evoluído para uma forma semelhante a um chapéu espanhol da época sem aba, conhecido como “toque” do qual derivou o nome dado à planta “toquilla” (carludovica palmata) de onde são extraídas as fibras a partir das quais é elaborada a minuciosa trama.

Desde meados do séc XVI que a província de Manabi no litoral do Equador, é conhecida pela produção de chapéus de palha. A atividade que, com o tempo ganhou foro de indústria desenvolveu-se sobretudo em duas localidades, Montecristi e Jipijapa.

Com o florescer do negócio, a partir do séc. XIX, a cidade de Cuenca nos Andes equatorianos aderiu à produção tornando-se no principal polo superando os anteriores pela quantidade.

Todavia é Montecristi quem mais tem contribuído para a fama desta arte: casa dos mais hábeis tecedores está na origem dos esquisitos extrafinos homónimos que continuam como um dos expoentes máximos da chapelaria produzida a partir de fibras vegetais.

Ter a sua exportação mais vistosa e aquela que mais reflete a sua cultura, batizada com o nome de outro país, distante um bom milhar de quilómetros, é algo que entristece os equatorianos. São várias as explicações verosímeis para este equívoco e, o mais provável é que todas elas, embora em diferentes proporções, tenham concorrido A primeira e mais plausível, tem a ver com o incremento dramático que a indústria sofreu no início do séc. XIX pela mão do republicano espanhol exilado, Manuel Alfaro — pai do herói nacional Eloy Alfaro, duas vezes presidente e o responsável pela revolução liberal equatoriana que se diz terá sido em grande parte financiada com o dinheiro proveniente da venda dos chapéus — o que o levou a procurar novos mercados para escoamento da produção.

O muito concorrido istmo do Panamá, local de transbordo transoceânico, antes da construção do canal, foi o primeiro destino. Já com o Eloy à frente do negócio que ia de vento em popa, os Estados Unidos, nomeadamente a Califórnia que vivia na altura a corrida ao ouro tornou-se também ela num enorme mercado.
Ainda longe dos tempos das etiquetas “made in”, com os chapéus a serem vendidos ou exportados a partir do Panamá por razões de logística, foi esta a denominação que acabou por se impôr pois, era a única referência que quem o comprava tinha.

Quando em 1906, durante uma visita de inspeção às obras do canal patrocinado pelo governo norte-americano, o presidente Theodore Roosevelt se deixou fotografar com o chapéu que muitos dos trabalhadores usavam, os EUA já eram o seu principal importador.

A fotografia ficou famosa em virtude da grande popularidade de que o presidente gozava e com ela ficava também mais famoso o sombrero paja de Toquillla, jipijapa, Montecristi ou fino para os equatorianos, panamá para o resto do mundo.

Mas se parece não restarem dúvidas quanto à paternidade do Equador, adquirir um exemplar de efetiva qualidade pode revelar-se uma tarefa algo complicada pois este é um mercado que, mesmo na origem está longe de ser transparente.

A venda de gato por lebre é frequente. Os menos conhecedores, ou simplesmente incautos, turistas normalmente, são enganados com Montecristi apresentados em belas caixas de balsa , embalagem normalmente usada para proteger os exemplares de alta qualidade, mas que contêm no seu interior chapéus produzidos em Cuenca com túnicas inferiores resenca com tue em que normalmente protege os exemplares ercmplicada pois este ino. A diferença assenta sobre tudo écnicas e preços, obviamente, substancialmente inferiores.

A contrafação, a concorrência desleal e a idade avançada têm vindo a contribuir para a diminuição do número de artesãos à altura de executar as finas teceduras que exigem apurada visão, postura e uma grande capacidade de concentração, para uma compensação económica que na maior parte dos casos está longe de ser a justa.

Os melhores exemplares diferenciam-se pela sua trama extremamente apertada para um material desta natureza que permite que sejam enrolados com extrema facilidade a ponto de ficarem com um diâmetro de poucos centímetros.

Para atingir este nível de perfeição é necessário um processo de produção moroso que pode chegar aos 9 meses e envolver entre 6 a 8 pessoas. Para além da tecedura, há que cultivar e tratar da planta, depois proceder à sua recolha e saparação dos filamentos —apenas os mais finos e longos são aproveitados a este nível de qualidade — a a fiação à qual se segue a descoloração, secagem ao sol, a passagem a ferro para obter rigidez, batimento, e prensa de moldar para ganhar a forma definitiva.

A inexistência de uma terminologia normalizada ou entidades que regulem e fiscalizem a atividade são outros fatores que dificultam a clarificação desta indústria.

Os Montecristi, aqueles que apesar de tudo, talvez pelos valores que atingem, estão mais codificados, os termos ordenam-nos habitualmente, por ordem crescente, mais ou menos, da seguinte forma: Regular, Fino, Fino-fino, e Extrafino. Esta escala pode variar de fabricante para fabricante e inclusive ganhar outras denominações mas no essencial, reporta-se á densidade, quantidade de linhas por polegada quadrada (2,54cm), sendo que maior quantidade de linhas, pode ir até às 900, significa maior dificuldade de execução, maior qualidade e, obviamente custo mais elevado.

Para além desta escala outros factores deverão ser levados em conta na apreciação de um panamá: o tipo de trama (a de Montecristi é do tipo twill (sarja) com duas passagens que lhe confere o aspecto espinha semelhante ao tweed mas que exige o dobro do trabalho da tecedura praticada em Cuenca, do tipo tela, mais aberto e menos resistente) a forma como as linhas se apresentam ou regularidade, mais ou menos direitas e se são paralelas, a alvura e a uniformidade da cor para além da transparência, os defeitos na trama bem como os tamanhos da copa e das abas bem como a qualidade dos acabamentos, nomeadamente no interior.

Mas se tenciona adquirir um panamá, o melhor mesmo é fazê-lo num revendedor reputado que lhe garanta a qualidade e faça justiça a chapéu que para além de nos proteger a cabeça é um hino ao trabalho manual.

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