Fibra nobre

Nome pertencente ao exclusivo e muito reduzido clube dos produtores de têxteis de fibras nobres, o Lanifício Luigi Colombo chega a Portugal com a sua linha de alfaiataria.

 

Se é verdade que o feitio, design se preferirem, de um peça de vestuário é fundamental, não é menos verdade que, para o consumidor mais conhecedor, a origem e a matéria-prima empregue na sua construção não é menos importante e pode determinar não só factores como a durabilidade, e a arquitectura de uma peça, da sua construção ao aspecto estético, como questões mais práticas como a eficiência térmica ou a mais óbvia relação preço qualidade.

Uma das vantagens que a alfaiataria ou a confecção por medida apresenta em relação ao pronto a vestir é precisamente a participação que o cliente tem na escolha do material em que a sua peça vai ser construída. À margem de tendências fugazes ditadas pela moda, o cliente pode escolher por entre uma vasto leque de cartazes em que fibras, cores, texturas, gramagens, origens, fabricantes e, claro, preços se apresentam sob a forma de tecido.

O exercício que pode resultar algo intimidador para os neófitos é um prazer para o connoisseur que pode dar largas à sua imaginação num jogo em que poucas são as barreiras para além do gosto de cada um e, claro, dos valores, que podem tornar a brincadeira deveras dispendiosa. Sobra-nos o consolo de quando acertado, poder a loucura ser vista como um investimento em prazer a longo prazo.

Como em tudo na vida também aqui existem diversos níveis e como um dia alguém um dia disse: “o que é caro nem sempre é bom mas o que é bom é inevitavelmente caro.”

O clube das fibras nobres ocupa os píncaros desta actividade.

De origem animal engloba o pelo de animais, cabras, ovelhas e outros bovídeos e camelídeos com origem em regiões inóspitas do planeta como a Mongólia ou a Cordilheira dos Andes na América do Sul, de cujo pêlo, ou lã, se fabricam alguns dos mais protectores, belos e preciosos tecidos que o mundo já viu.

Pela sua raridade, delicadeza e exigência no trato e consequente custo, são muito poucas as casas que se dedicam à transformação desta excelsa matéria-prima e ainda mais raras aquelas que a trabalham com sucesso ao mais alto nível fazendo dela a matéria-prima de luxo que é, por todas as definições.

Nesta verdadeira indústria de nicho altamente prestigiada, onde o made in Italy é rei e senhor e cujo nome mais conhecido é o da Loro Piana, o lugar de líder mundial na produção de fibras nobres é ocupado pelo Laníficio Luigi Colombo.

Assim, quando compra uma caxemira ou qualquer outra fibra nobre como a vicuña, guanaco, pêlo de camelo, ou lã merino, em tecido para alfaiataria, ou já transformadas em vestuário numa qualquer marca de luxo, apesar do nome do fabricante, por norma, não constar na etiqueta, se estiver mesmo perante um tecido de inegável qualidade, existe uma existe uma forte probabilidade de este ter sido produzido pelo Lanifício Luigi Colombo.

A têxtil familiar foi fundada por Luigi Colombo. Nascido em 1927 em Tradate na Lombardia no seio de uma família ligada à indústria ficaria órfão com apenas 10 anos tendo sido criado por um tio, um prestigiado empresário têxtil de Biella na vizinha região do Piemonte. Tido como um homem sensível e muito inteligente com uma ética de trabalho muito rigorosa, aos 20 anos já era responsável pela fábrica do tio.

Depois de se casar, Luigi, decide arriscar a actividade empresarial por conta própria no sector das fibras nobres, actividade consentânea com o seu espírito criativo e aventureiro foi pintor e conhecido velejador.

Na década de 70 os filhos Roberto e Giancarlo juntaram-se ao pai, injectando uma dose juventude e audácia que seria determinante para o futuro da empresa. Para além de estabelecerem relações directas com os fornecedores de lã espalhados pelo mundo, dos Andes à Austrália até à China onde passaram a negociar diretamente com os pastores mongóis.

Uma atitude que lhes permitiu estabelecer um contacto privilegiado com pastores e criadores, e controlar melhor o produto na origem. Simultaneamente uma política forte e contínua de investimento em investigação e inovação, conferiu-lhes uma posição invejável no mercado.

Por altura dos anos oitenta conta já com os principais nomes da moda internacional como seus clientes. Com a indústria do luxo a crescer e a procura de tecidos de altíssima qualidade a aumentar tornam-se líderes do sector das fibras nobres tornando-se especialistas a trabalhar caxemira, guanaco, vicunha, camelo, e fibras de espécies sobejamente conhecidas como a marta, a chinchila ou a zibelina mas cujo uso como têxtil não é muito comum, mais que não seja pelo preço.

Actualmente a empresa, que já vai na terceira geração tem duas fábricas, em Borgosesia e Ghemme, que cobrem uma área de 30.000m2 onde trabalham cerca de 400 pessoas que transforma por ano mais de 500 mil quilos de matéria-prima.

A mão de obra altamente especializada onde a experiência e o trabalho manual alterna com a a mais avançada tecnologia de fiação é um dos grandes trunfos desta casa familiar que quer continuar a crescer de forma sustentada.

Para além de fornecedores das mais afamadas casas de moda do mundo o Lanifício Colombo lançou em meados dos anos oitenta a sua linha própria de pret-a-porter com malhas acessórios e têxteis para a casa presente em pontos de venda multi-marca, armazéns de prestígio e lojas próprias. As suas lojas em Itália, encontram-se em Milão, na famosa Via della Spiga, na Via Borgognona em Roma, Bergamo e Porto Cervo e, fora de Itália, na Coreia do Sul, em Seoul, Daegu e Busan.

A chegada a Portugal, onde passa agora a estar disponível na capital em tecido a metro na Sumisura em frente ao Ritz Four Seasons, faz parte de um plano de expansão que visa levar o nome do Laníficio Colombo a novos mercados. A estratégia, segundo os responsáveis da marca passa também pela abertura de novas
lojas embora Lisboa, pelo menos para já, não esteja a ser equacionada.

Fernando Pereira, especialista na confecção Made to Measure que já disponibilizava os nomes mais sonantes do mercado de tecidos de alfaiataria, as fibras nobres da Laníficio Colombo, vêm elevar ainda mais a oferta da Sumisura cujos clientes podem agora tocar e sentir aquela que é provavelmente a melhor caxemira do mundo.

Harris Tweed, a lã de um povo

O tweed é, provavelmente, o mais famoso têxtil britânico e aquele que simboliza o estilo de vestir dos súbditos de sua Majestade. O mais surpreendente é que, como o Vinho do Porto, também este tecido de lã, na sua expressão mais tradicional, o Harris tweed, é protegido por lei e tem a sua região demarcada

 

Embora, de tempos a tempos, volte em força, o tweed é muito mais do que uma moda. Este tecido de lã, áspero como o clima das ilhas britânicas e resistente como as suas gentes, é sinónimo de estilo informal britânico. Conhecido nos primórdios como Clò Mòr, um pano longo de lã produzido pelos agricultores escoceses, para uso próprio, em teares rudimentares instalados nas suas casas, cumpriu eficazmente, através dos tempos, o propósito de proteger dos elementos as gentes trabalhadoras destas regiões inóspitas.

Já mais próximo dos nossos dias, ganharia o nome de tweed sem que se saiba bem como. Embora sejam duas as versões sob a origem da nova designação, certezas, porém, não existem. Há quem atribua a designação ao rio homónimo que corre na Escócia e em cujo vale o tecido é há muito produzido. Outros defendem que o novo nome surgiu de um equívoco de um comerciante londrino que terá grafado incorrectamente numa encomenda “tweel”, como se escreve em escocês o britânico “twill” (a resistente trama utilizada na tecedura), dando assim origem ao tweed que acabaria por subsistir.

O tecido de aspecto grosseiro, algo felpudo, em tons terrosos, que se mesclavam na paisagem de vegetação rasteira, viria a ganhar fama inesperada em meados do século XIX, depois de ter sido adoptado pela aristocracia britânica como matéria-prima predilecta para a sua indumentária de lazer. A adesão ao tweed tem como grandes responsáveis a Rainha Vitória e o Príncipe Alberto. Quando o casal real comprou o Castelo de Balmoral, para aí passar grande parte do seu tempo livre a caçar e a passear pelo countryside escocês, deu início a um movimento mimético que levou muitos nobres ingleses a comprarem propriedades na Escócia e a começarem a cultivar um estilo de vida ao ar livre em que o tweed, mercê da sua resistência e qualidades termoisolantes, assentava que nem uma luva.

À semelhança do que já acontecia na Escócia com o tartan, que diferenciava os diversos clãs, esta apropriação por parte das elites desencadeou um fenómeno interessante que consistia em desenhar padrões que distinguissem estas novas propriedades e os seus senhores, os chamados Estate Tweeds, dos quais o Balmoral Tweed, criado pelo Príncipe Alberto, era um dos primeiros.

Esta mania muito britânica de tudo catalogar, que se estende, por exemplo, às gravatas, em que, para além do aspecto estético, os seus padrões servem para identificar o regimento, colégio, universidade ou clube de quem as usa, já existia no tweed. O vasto rol de padrões e texturas já estavam ordenados por categorias.

Essas incluíam denominações que denotavam desde o tipo de ovelhas na origem da lã, Cheviot Tweed ou Shetland Tweed; a sua geografia, o Donegal Tweed, por exemplo, com origem no condado de Donegal, na Irlanda do Norte, ou uma determinada actividade, como é o caso do Gamekeeper Tweed. A estes padrões cativos, que inicialmente estavam reservados a quem de direito, mas que hoje são usados livremente, juntava-se ainda uma larga variedade de motivos e texturas, conferidas pela tecelagem, como o Plain Twill, Overcheck Twill, Plain Herringbone, Houndstooth, entre muitos outros. Esta enorme multiplicidade de padrões e texturas são, conjuntamente com a durabilidade, resistência das fibras e da tecedura, em grande parte responsáveis pela popularidade deste tecido.

Depois desta viragem aristocrática, que lhe conferiu um carácter aspiracional, numa altura em que a revolução industrial já avançava a todo o vapor, o tweed tornou-se no Reino Unido o tecido de eleição das classes médias e do emergente sportsman que fez dele inseparável companheiro de aventura.

No dealbar do século XX, abriram-se-lhe novos horizontes. Pelas mãos de Eduardo VII, chegava a Savile Row, onde ganhava expressão sartorialista e definitivamente tornava-se indispensável no guarda-roupa do homem elegante. O pano rústico ganhava matizes urbanas e novas conotações, a intelectualidade rendiase-lhe e Gabrielle Chanel abria-lhe as porta da alta-costura.

O tweed comporta uma curiosa ambivalência que o leva a ser apreciado, ao mesmo tempo, pela aristocracia e pela contracultura.

Os hipsters e o seu interesse pela indumentária vintage, o renascimento da alfaiataria e o movimento revivalista em torno deste tecido, com o seu ideário anti-massificação, em prol da autenticidade e sustentabilidade, de que a londrina Tweed Run é o expoente máximo, são manifestações desta face alternativa que, de tempos a tempos, catapulta-o para a ribalta.

Hoje, não há fabricante de tecido que não o apresente nos seus catálogos, dentro e fora do Reino Unido. Não poucas vezes, a lã virgem mistura-se com o algodão, caxemira e mesmo fibras sintéticas, em produções mais ou menos industriais. Porém, na Escócia há uma zona em que o tweed continua a cumprir o mesmo ciclo de há séculos.

Harris tweed, O Espírito Original

Desde há muito que as Hébridas Exteriores, um arquipélago formado por algumas ilhas, sendo as mais importantes Lewis, Harris, Uist e Barra, na costa ocidental da Escócia, gozam da fama de aí se produzir tweed da mais alta qualidade.

Este pano, conhecido como Harris Tweed, era tingido, cardado, fiado e tecido pelos agricultores locais com a lã das suas ovelhas e era usado fundamentalmente para consumo próprio. Embora de excelente qualidade, não tinha grande expressão enquanto negócio e, por isso, de pouco serviu quando, entre 1846 e 1856, a grande fome, provocada pela escassez de batata, também se fez sentir na Escócia.

Nesse momento particularmente dramático, revelou-se de maior importância a intervenção de Lady Dunmore, mulher de Alexander Murray, 6º Conde de Dunmore, senhor da Ilha de Harris, que teve um papel fundamental como dinamizadora da indústria têxtil. Com vista a ajudar a resolver os graves problemas de subsistência que os ilhéus enfrentavam, procedeu à encomenda de uma quantidade substancial de tartan da família, tecido à maneira do clò-mòr, e várias peças de fatos para os seus empregados.

Apercebendo-se de imediato do potencial que esta actividade, então marginal, encerrava para as depauperadas populações, impulsionou o seu crescimento. Frequentadora de meios sofisticados, percebeu que o sucesso da sua tarefa teria de passar pela produção de panos mais leves e de acordo com as necessidades do mercado da moda, o que não teve dificuldade em implementar. De seguida, e sempre por sua iniciativa, tratou de promover junto dos seus pares a lã produzida pelos seus rendeiros.

O esforço da ainda hoje venerada Lady Dunmore teve importantes e benéficas repercussões. Nobres e gente rica das ilhas vizinhas seguiram-lhe o exemplo. A procura subiu drasticamente e com ela o número de cardadores, fiadores, tingidores e teares a laborar em todas as ilhas. O êxito das Hébridas Exteriores fez surgir o receio de que outros se aproveitassem e que o produto fosse contrafeito ou adulterado noutras paragens.

Com o objectivo de obviar esta possibilidade, no início do século XX, com a indústria a laborar a um ritmo inédito, foi criada a companhia The Harris Tweed Association Limited, cujo papel era zelar pelas características e qualidade do tweed produzido nas Hébridas.

Este passou a ser, assim, o primeiro a ostentar uma marca, a icónica “orb mark”, a esfera encimada pela cruz de Malta e as palavras Harris Tweed por baixo, com que todas as peças de pano passaram a ser estampadas a partir de 1911 e que é a mais antiga do seu género no Reino Unido.

O Harris Tweed continuou a prosperar e, pouco tempo depois, a fiação manual revelava-se insuficiente para os níveis de produção atingidos. Isso obrigou a que, em 1934, os estatutos fossem ligeiramente alterados de forma a permitir que a lã até aí fiada com a ajuda de uma roda passasse a ser feita por métodos de maior eficiência sem no entanto perverter o espírito artesanal da produção.

A produção não parou de crescer até meados dos anos 60.

Na década de 90, como parte de um processo de modernização e defesa deste importante património que entretanto viu a sua importância económica diminuir substancialmente, foi fundada, no âmbito de um Acto do Parlamento, a Harris Tweed Authority que substituiu a anterior associação.

O novo organismo ficou, através dos seus estatutos, com a responsabilidade de promover e manter a autenticidade, níveis de qualidade e reputação do Harris Tweed. A Autoridade supervisiona a produção em todo o seu ciclo e só quando esta cumpre os princípios definidos nos estatutos a certifica com a estampagem da célebre esfera.

Nesta lei ficou definido que, para que o tweed produzido nas Hébridas Exteriores fosse homologado como Harris Tweed, a pura lã virgem tem de ser fiada, tingida, tecida e acabada manualmente por habitantes das Hébridas Exteriores nas suas casas.

Apesar de algumas ameaças ao longo da sua história e até mesmo o perigo que a contrafacção representa na actualidade, o Harris Tweed continua a ser produzido por cerca de 250 artesãos utilizando os mesmos métodos que os seus antepassados, mas com a qualidade acrescida que o conhecimento actual permite.

Este produto de grande qualidade e versatilidade, que é hoje exportado para mais de 50 países, viu a sua produção mais que duplicada nos anos mais recentes, mercê do interesse suscitado junto de um mercado que procura produtos autênticos que tragam consigo o valor intangível que a história e as gentes envolvidas na sua produção representam. Exemplo a seguir de sustentabilidade económica, o Harris Tweed já demonstrou que a sua resistência vai muito para além dos fios de lã com que é tecido.

De se lhe tirar o chapéu!

O panamá é o chapéu de verão por excelência. Nascido na América do Sul, conquistou o mundo.
Por detrás da sua aparente simplicidade esconde-se um vasto saber e a tradição de um povo.

O chapéu à semelhança de muitos outros acessórios de moda nasceu de uma necessidade bastante prática e quase universal: proteger a cabeça do sol, do frio e até mesmo da sujidade.

O homem e a sua necessidade natural de elaborar, e quiçá por estar em causa a cabeça, tratou de o dotar dos mais variados significados e de uma etiqueta cuja rigidez variou ao longo dos tempos.

Até meados do século passado, o seu uso em público era praticamente obrigatório e o próprio conceito de elegância masculina era inconcebível sem a sua presença.

Nos anos sessenta foi apontado como símbolo conservador e acabou por não resistir à revolução capilar que abriu caminho não só de outrora osiçoutros tempos ensaia um regresso mais baseado na opçàs longas e desgrenhadas cabeleiras hippies como a uma indústria do cabelo que floresceu e que quase o fez esquecer.
Nos últimos tempos, o interesse pelo chapéu tem vindo a recrudescer em torno de uma elegância claramente inspirada na tradição mas destituída dos inflexíveis códigos de outrora.

Na dianteira deste renascimento luze o alvo sul-americano Panamá. Na edição de verão da feira Pitti Uomo, barómetro fiável de tendências no campo da elegância masculina, desde há uns anos a esta parte é presença assídua na cabeça dos muitos influencers presentes.

Este lugar de destaque é mais do que merecido pois estamos perante um espécime que sobressai pela sua beleza; aspecto prático, dada a sua extrema leveza e impermeabilidade ao sol e à chuva; e pelo extraordinário trabalho artesanal que a sua tecedura encerra que fazem dos mais apurados exemplares verdadeiras obras de arte que atingem valores dificilmente associáveis a um acessório como um chapéu.

Embora sem a adesão de outrora mas apesar de tudo com presença garantida em eventos como o torneio de ténis de Winbledon onde continua um clássico, o panamá continua a alimentar um imaginário tropical de noites quentes e húmidas, peles morenas onde o linho, o rum e os havanos são parceiros indispensáveis
Homens de grande estilo como Winston Churchill, Clark Gable, Orson Welles, John Huston, Humphrey Bogart, Peter O´Toole, Marlon Brando, ou Sean Connery, entre outros, sempre o tiveram à mão quando o sol o exigia.

O mais provável é que a maioria dos panamás vistos em Florença tenham outra proveniência que não a original: hoje são produzidos em muitos locais, desde logo em vários países da América do Sul, no México ou, como não podia deixar de ser, na Ásia, por vezes recorrendo a métodos pouco ortodoxos que têm reflexo no preço final de venda ao público. Porém os legítimos, embora a designação nos remeta para o país do estreito, são originários do Equador.

A proveniência não é irrelevante sobretudo quando esta é dada a equívocos como acontece neste caso. A elevação em 2012 à condição de Património Imaterial da Humanidade, considerado um acto de justiça pelos equatorianos, vem reconhecer preto no branco uma produção artesanal com raízes ancestrais, passada de geração em geração com grande impacto nas populações locais.

Quando Francisco Pizarro chegou à região em 1526, dizem os relatos que os nativos já usavam uma proteção para a cabeça feita de palha cujo uso, se veio a saber mais tarde remontava pelo menos a a 4000 A. C..
Esta terá evoluído para uma forma semelhante a um chapéu espanhol da época sem aba, conhecido como “toque” do qual derivou o nome dado à planta “toquilla” (carludovica palmata) de onde são extraídas as fibras a partir das quais é elaborada a minuciosa trama.

Desde meados do séc XVI que a província de Manabi no litoral do Equador, é conhecida pela produção de chapéus de palha. A atividade que, com o tempo ganhou foro de indústria desenvolveu-se sobretudo em duas localidades, Montecristi e Jipijapa.

Com o florescer do negócio, a partir do séc. XIX, a cidade de Cuenca nos Andes equatorianos aderiu à produção tornando-se no principal polo superando os anteriores pela quantidade.

Todavia é Montecristi quem mais tem contribuído para a fama desta arte: casa dos mais hábeis tecedores está na origem dos esquisitos extrafinos homónimos que continuam como um dos expoentes máximos da chapelaria produzida a partir de fibras vegetais.

Ter a sua exportação mais vistosa e aquela que mais reflete a sua cultura, batizada com o nome de outro país, distante um bom milhar de quilómetros, é algo que entristece os equatorianos. São várias as explicações verosímeis para este equívoco e, o mais provável é que todas elas, embora em diferentes proporções, tenham concorrido A primeira e mais plausível, tem a ver com o incremento dramático que a indústria sofreu no início do séc. XIX pela mão do republicano espanhol exilado, Manuel Alfaro — pai do herói nacional Eloy Alfaro, duas vezes presidente e o responsável pela revolução liberal equatoriana que se diz terá sido em grande parte financiada com o dinheiro proveniente da venda dos chapéus — o que o levou a procurar novos mercados para escoamento da produção.

O muito concorrido istmo do Panamá, local de transbordo transoceânico, antes da construção do canal, foi o primeiro destino. Já com o Eloy à frente do negócio que ia de vento em popa, os Estados Unidos, nomeadamente a Califórnia que vivia na altura a corrida ao ouro tornou-se também ela num enorme mercado.
Ainda longe dos tempos das etiquetas “made in”, com os chapéus a serem vendidos ou exportados a partir do Panamá por razões de logística, foi esta a denominação que acabou por se impôr pois, era a única referência que quem o comprava tinha.

Quando em 1906, durante uma visita de inspeção às obras do canal patrocinado pelo governo norte-americano, o presidente Theodore Roosevelt se deixou fotografar com o chapéu que muitos dos trabalhadores usavam, os EUA já eram o seu principal importador.

A fotografia ficou famosa em virtude da grande popularidade de que o presidente gozava e com ela ficava também mais famoso o sombrero paja de Toquillla, jipijapa, Montecristi ou fino para os equatorianos, panamá para o resto do mundo.

Mas se parece não restarem dúvidas quanto à paternidade do Equador, adquirir um exemplar de efetiva qualidade pode revelar-se uma tarefa algo complicada pois este é um mercado que, mesmo na origem está longe de ser transparente.

A venda de gato por lebre é frequente. Os menos conhecedores, ou simplesmente incautos, turistas normalmente, são enganados com Montecristi apresentados em belas caixas de balsa , embalagem normalmente usada para proteger os exemplares de alta qualidade, mas que contêm no seu interior chapéus produzidos em Cuenca com túnicas inferiores resenca com tue em que normalmente protege os exemplares ercmplicada pois este ino. A diferença assenta sobre tudo écnicas e preços, obviamente, substancialmente inferiores.

A contrafação, a concorrência desleal e a idade avançada têm vindo a contribuir para a diminuição do número de artesãos à altura de executar as finas teceduras que exigem apurada visão, postura e uma grande capacidade de concentração, para uma compensação económica que na maior parte dos casos está longe de ser a justa.

Os melhores exemplares diferenciam-se pela sua trama extremamente apertada para um material desta natureza que permite que sejam enrolados com extrema facilidade a ponto de ficarem com um diâmetro de poucos centímetros.

Para atingir este nível de perfeição é necessário um processo de produção moroso que pode chegar aos 9 meses e envolver entre 6 a 8 pessoas. Para além da tecedura, há que cultivar e tratar da planta, depois proceder à sua recolha e saparação dos filamentos —apenas os mais finos e longos são aproveitados a este nível de qualidade — a a fiação à qual se segue a descoloração, secagem ao sol, a passagem a ferro para obter rigidez, batimento, e prensa de moldar para ganhar a forma definitiva.

A inexistência de uma terminologia normalizada ou entidades que regulem e fiscalizem a atividade são outros fatores que dificultam a clarificação desta indústria.

Os Montecristi, aqueles que apesar de tudo, talvez pelos valores que atingem, estão mais codificados, os termos ordenam-nos habitualmente, por ordem crescente, mais ou menos, da seguinte forma: Regular, Fino, Fino-fino, e Extrafino. Esta escala pode variar de fabricante para fabricante e inclusive ganhar outras denominações mas no essencial, reporta-se á densidade, quantidade de linhas por polegada quadrada (2,54cm), sendo que maior quantidade de linhas, pode ir até às 900, significa maior dificuldade de execução, maior qualidade e, obviamente custo mais elevado.

Para além desta escala outros factores deverão ser levados em conta na apreciação de um panamá: o tipo de trama (a de Montecristi é do tipo twill (sarja) com duas passagens que lhe confere o aspecto espinha semelhante ao tweed mas que exige o dobro do trabalho da tecedura praticada em Cuenca, do tipo tela, mais aberto e menos resistente) a forma como as linhas se apresentam ou regularidade, mais ou menos direitas e se são paralelas, a alvura e a uniformidade da cor para além da transparência, os defeitos na trama bem como os tamanhos da copa e das abas bem como a qualidade dos acabamentos, nomeadamente no interior.

Mas se tenciona adquirir um panamá, o melhor mesmo é fazê-lo num revendedor reputado que lhe garanta a qualidade e faça justiça a chapéu que para além de nos proteger a cabeça é um hino ao trabalho manual.